8.8.09

:: um por dia nem sabe o bem que lhe fazia # 06

começou a mexer o café com leite com a colherzinha. o líquido quase transbordava da chávena empurrado pelo movimento do utensílio de alumínio (o recipiente era vulgar, o sítio era ordinário e a colher estava arredondada pelo uso). ouvia-se o barulho do metal contra o vidro. tim, tim, tim, tim. e o café com leite girava, girava com uma cova no meio. um maelstrom. e eu encontrava-me sentado mesmo à frente. o café estava à pinha. o homem continuava a mexer, a mexer, imóvel, e sorria ao olhar-me. senti uma coisa subir por mim acima. fitei-o de tal maneira que se viu na obrigação de se explicar:– o açúcar ainda não está derretido. para mo provar, bateu com a colher várias vezes no fundo do copo. recomeçou a mexer metodicamente a beberagem, com uma energia redobrada. voltas e mais voltas, sem parar, eternamente. voltas e mais voltas e mais voltas. e continuava a olhar para mim, sorrindo. então puxei da pistola e disparei.
crimesExemplaresMA1x1
in crimes exemplares, de max aub

nota: fazia quase, uma coisa parecida com um esforço, para não publicar esta confissão em particular, por ser a mais conhecida.
mas por vezes temos de abdicar das nossas convicções. até mesmo pela pop.

Sem comentários: